Portal de Eventos Científicos em Música, 8º CONGRESSO BRASILEIRO DE ICONOGRAFIA MUSICAL

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A menção de elementos da cultura clássica e surrealista no rock progressivo: Uma análise Iconográfica da capa do álbum Nursery Cryme da banda Genesis
Antonio Carlos Henn, Márcio Leonel Farias Reis Páscoa

Última alteração: 2025-05-25

Resumo


a) Iconografia Musical em fluxo: criação, produção, circulação e recepção de imagens relativas às culturas musicais e seus modelos; dinâmicas de transculturação, hibridação, contaminação, contágio; relações entre centro, margens, periferia.

Em meados da década de 1960 ocorreu o início do movimento intitulado rock progressivo, um estilo musical que tinha como proposta composições longas e experimentais, com influência de música erudita, contemporânea ou de fases anteriores, além do jazz e outras vertentes, onde muitos musicistas se destacaram por seu caráter virtuoso e intelectual. Esse movimento cresceu no ambiente da contracultura, sendo uma oposição ao mainstream da criação musical de então, consequentemente aceitando maior nível de experimentalismo entre os músicos. A contracultura consistia em grande parte de jovens norte-americanos de classe média, brancos e que haviam rejeitado o estilo de vida de seus familiares, em prol de outro caminho (Macan, 1997, p.15). Muitos desses indivíduos foram chamados de hippies, caracterizados pela ênfase em descobrir novas formas de percepção e (auto)consciência, especialmente através do uso de drogas alucinógenas, de religiões místicas, novas formas de comportamento individual e social, visando uma meditação transcendental e outra possibilidade de vida comunitária (Idem.)

É interessante notar que muitos grupos musicais desse tempo utilizaram aspectos surrealistas para ilustrar suas obras, seja visualmente ou liricamente, associando o surrealismo a outras tendências estéticas passadas, se projetando no rock progressivo. Dentre as iniciativas musicais que refletem o rock progressivo, encontra-se o grupo Genesis, surgido ao redor desse ambiente, em 1967 quando os membros ainda estudavam na Charterhouse School, localizada em Godalming, Inglaterra. Passando por duas fases distintas, uma bastante influenciada pelo rock progressivo e outra por elaborações mais comerciais, eles nunca deixaram de contar com representações visuais que remetem ao conteúdo de suas obras. Mesmo que a estrutura musical fosse de tendência experimental, os temas a que se dedicaram se vinculavam a fases e estilos diferentes da história da arte e traziam questões místicas, oníricas, sexuais, de terror (baseadas em contos macabros), dentre outros.

Grande parte das capas dos álbuns do Gênesis é composta por imagens de forte cunho surrealista e não à toa o grupo trabalhou com o artista Paul Whitehead (1945), pintor e artista gráfico britânico que ficou bastante conhecido por obras surrealistas, trabalhando para diversas bandas de rock progressivo na gravadora Charisma Records em 1970.

A presente proposta de comunicação tem como objetivo analisar a capa do álbum Nursery Cryme (1971) do grupo Genesis, a partir da metodologia proposta por Panofsky (1956), almejando entender seus significados explícitos e implícitos. A ilustração desta capa teve como inspiração a primeira faixa do álbum, The Musical Box. Esta música trata de um conto escrito por Peter Gabriel, vocalista do grupo, e é ambientado no século XIX, aludindo a elementos da época vitoriana inglesa. Cynthia Jane e Henry Hamilton são os protagonistas dessa história, que começa com a inusitada façanha da menina arrancando a cabeça do jovem com um taco de croquet. Duas semanas após o ocorrido ela encontra uma caixa de música pertencente a Henry, no quarto onde eles recebiam cuidados de uma babá (nurse). Ao fazer a caixa tocar, ouve-se uma antiga canção popular britânica intitulada Old King Cole, seguida da aparição de Henry. O espírito de Henry, que envelhece rapidamente, quer se vingar de Cynthia, que é salva pela babá, após ouvir barulhos no quarto. A babá entra no quarto e destrói a caixa de música, fazendo Henry desaparecer. O croquet citado no conto foi o primeiro desporto inglês competitivo organizado praticado pelas mulheres vitorianas sem não sofrer repreensão dos costumes conservadores da época (Anderson, 2010, p.115). Parece assim justificável a imagem de uma mulher se impondo mediante um homem nessa narrativa, chegando a decapitá-lo. A capa traz vários elementos do período vitoriano oitocentista, como o jogo citado acima, as vestimentas das personagens, bem como a casa que aparece no canto superior direito da imagem. Além disso, vemos a babá acima da imagem que representa Cynthia no canto esquerdo, equilibrada com uma roda em cada pé, possivelmente segurando o utensílio que usou para quebrar a caixa de música.

A referência histórica de uma mulher se impondo a uma figura masculina, decapitando-o não é fortuita. Um escrito presente no antigo testamento já tratava desse tema no livro de Judith, que arranca a cabeça de Holofernes para salvar seu povo e a si mesma. Esse episódio foi bastante retratado em música, literatura, ópera, pintura e cinema. Dentre as mais conhecidas obras com esse tema, há o famoso quadro Judith e Holofernes (1598), de Michelangelo da Caravaggio (1571-1610) e as composições Judith I (1901) e Judith II (1909), de Gustav Klimt (1862-1918), para citar apenas algumas das mais famosas. É possível que a representação de uma mulher que derrota um homem desse modo tenha entrado no imaginário popular, ou que seja possivelmente uma apropriação de recorrência clássica pela cultura de massa, ao ser incorporada por Peter Gabriel em The Musical Box e por consequência, Paul Whitehead para a capa de Nursery Crime.

Na área de iconografia e iconologia musical não existe um grande material bibliográfico que trate do estilo rock progressivo e a influência que gêneros como o surrealismo lítero-visual ou a literatura gótica da era vitoriana tiveram sobre ele. Portanto, essa comunicação pretende discutir as influências que levaram ao resultado dessa imagem, assim como discutir o quão frequentemente o imaginário clássico é reaproveitado no século XX de maneira ostensiva em todas as áreas das artes, especialmente no Rock.

 

Bibliografia:

Anderson, Nancy Fix. The Sporting Life: victorian sports and games. Santa Barbara, California, 2010

Genesis. Nursery Cryme. Trident Studios, 1971

Macan, Edward L. Rocking the classics: English progressive rock and the counterculture. Oxford university press, inc. New York, New York, 1997

Panofsky, Erwin. 1. Iconografia e Iconologia: Uma Introdução ao Estudo da Arte na Renascença. In significados nas Artes Visuais. 3. ed. São Paulo: Editora Perspectiva S.A, 2001.


Palavras-chave


Rock progressivo; Surrealismo; Iconografia; Cultura clássica.