Última alteração: 2025-05-24
Resumo
O Museu do Caramulo alberga o maior conjunto mundial conhecido de tapeçarias de Tournai dedicadas à descoberta da Índia pelos portugueses, destacando-se a série "À maneira de Portugal e da Índia". Datadas do final do século XV ou início do XVI, estas tapeçarias flamengas refletem o impacto cultural e psicológico causado pelo contacto inicial com novas realidades orientais, traduzindo plasticamente o espanto, a curiosidade e a intenção propagandística associadas à expansão portuguesa.
As encomendas de tapeçaria pela coroa portuguesa eram uma realidade muito frequente, sendo Portugal o país europeu que mais tapeçarias encomendou em Tournai e Arras, e depois também em Bruxelas e Audenarde. São amplamente documentadas, como atestam as crónicas de Ruy de Pina, confirmando a importância da tapeçaria como meio de afirmação política e cultural da monarquia portuguesa.
Esta comunicação propõe uma leitura da iconografia musical presente nessas tapeçarias, interrogando de que forma os instrumentos, músicos e cenas performativas participam na construção simbólica de uma ordem imperial. A música surge como elemento de mediação cultural e expressão de poder. Num registo simultaneamente narrativo e simbólico, a presença musical nestas obras contribui para a idealização de um encontro pacificado, subtilmente hierarquizado, entre Portugal e o "outro" oriental.
Partindo da análise iconográfica de motivos musicais e da contextualização histórica destas tapeçarias, o estudo articula ainda a forma como estas peças, integradas numa coleção privada de origem familiar, assumem hoje uma nova dimensão museológica. Entre a memória nacional e a estética decorativa, estas tapeçarias conservam uma poderosa capacidade de evocação sensorial, sendo a música — visível mas silenciosa — um dos fios condutores dessa narrativa visual do Império.