Última alteração: 2025-05-25
Resumo
Na primeira modernidade, extensos tratados foram dedicados a descrever e decifrar o sabá das bruxas: reuniões noturnas em que, segundo se acreditava, homens e mulheres faziam pactos com o Diabo, prestavam-lhe homenagens e profanavam os preceitos cristãos. Menções a encontros dessa natureza surgem já entre os séculos XIII e XIV, associadas aos chamados hereges, acusados de manter alianças com o maligno nas margens da ortodoxia. A partir do século XV, com o recrudescimento das políticas de repressão à magia, a figura da bruxa ganha centralidade nesse imaginário, tornando-se personagem principal das assembleias demoníacas.
Nos tratados demonológicos de autores como Jean Bodin (1580), Pierre Crespet (1590) e Pierre de Lancre (1612), o sabá é descrito como uma grande festa profana, marcada pela dissolução das hierarquias, pela inversão das normas e pela glorificação dos prazeres proibidos. Música e dança aparecem como componentes essenciais desses rituais, como condutoras da êxtase, da fúria e do delírio sabático — estados que Lancre associa à uma inconstância demoníaca.
No século XVII, o sabá ganha visibilidade na produção imagética. Gravuras e pinturas apresentam músicos que acompanham a dança extática das bruxas. Jan Ziarnko, artista que ilustrou o tratado de Lancre, dedica uma das vinhetas de sua célebre gravura sabática a um concerto cuidadosamente desenhado, com instrumentos de corda, arco e sopro. Antes dele, em 1608, o “Compendium Maleficarum”, de Francesco Maria Guazzo, já apresentava cenas em que o baile infernal é conduzido por um músico. Mais tarde, uma gravura atribuída a Michael Herr, datada de meados do século, exibe criaturas grotescas tocando tambores e chocalhos em rituais necromânticos e cortejos embriagados no sabá.
A partir dessas obras, esta comunicação propõe investigar a presença dos músicos e dos instrumentos musicais na iconografia do sabá das bruxas, em articulação ao discurso demonológico que defendia a capacidade da música e da dança de despertar paixões desmedidas e conduzir corpo e alma à degeneração.