Portal de Eventos Científicos em Música, 8º CONGRESSO BRASILEIRO DE ICONOGRAFIA MUSICAL

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Sambas, maxixes e tangos blackface: iconografia da racialização nas capas de partituras soteropolitanas pós-abolição (1900–1930)
Welissa Lopes Saliba Maia Carvalho

Última alteração: 2025-05-27

Resumo


Nas últimas décadas, a historiografia do samba tem se concentrado no eixo Rio–Sudeste, atribuindo à Bahia um papel limitado à condição de matriz tradicional do gênero. Essa perspectiva dominante silencia a expressiva produção urbana do samba em Salvador e desconsidera a relevância da dimensão visual que a acompanha. As partituras publicadas na capital baiana nas primeiras décadas do século XX permanecem carentes de análise crítica, sobretudo no que diz respeito às imagens que representam os sujeitos negros na cultura urbana local — um campo negligenciado, mas essencial para compreender as complexas relações entre música, raça e poder no pós-abolição.

Este estudo tem como objetivo analisar criticamente as representações visuais da música negra nas capas de partituras publicadas em Salvador entre 1900 e 1930, com foco na forma como essas imagens contribuíram para a construção de sentidos sobre identidade, corpo negro e cultura popular. O termo blackface é aqui utilizado de forma metafórica para evidenciar práticas de apropriação e caricaturização racial, revelando como compositores e editoras, majoritariamente brancos, reforçaram estereótipos racistas mesmo ao explorar ritmos de matriz afro-brasileira.

A metodologia adotada é qualitativa e interdisciplinar, fundamentada na análise iconográfica de partituras pertencentes ao acervo digital Impressão Musical na Bahia (NEMUS/UFBA), e apoiada em referenciais oriundos dos estudos culturais, da crítica decolonial e das teorias interseccionais de raça e gênero. O corpus inclui obras dos gêneros samba, maxixe e tango, com especial atenção às capas ilustradas e às estratégias visuais de representação nelas empregadas.

Os resultados preliminares revelam uma visualidade marcada por representações desumanizantes, em que figuras negras — sobretudo femininas — são retratadas com feições grotescas ou em poses hiperssexualizadas. Essas imagens operam como dispositivos simbólicos que silenciam subjetividades e naturalizam formas de exclusão, evidenciando as capas de partituras como espaços de disputa por poder e representação.

Como contribuição central, a pesquisa propõe o reconhecimento das partituras como fontes legítimas para uma crítica decolonial no campo da musicologia. Ao evidenciar mecanismos simbólicos de exclusão, o estudo amplia o escopo da análise da cultura musical afro-brasileira — especialmente no contexto soteropolitano — e convida a uma revisão epistemológica das narrativas sobre a música popular no Brasil.


Palavras-chave


Música Negra; Iconografia musical; Racismo estrutural; Visualidade colonial; Pós-abolição